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O tempo vale ouro? 

A avareza no legislativo

Como o Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre (Brasil) tornou-se avarento e qual sua única possibilidade de salvação

Jorge Barcellos - Doutor em Educação

Publicado: 2015-12-08


Segundo o Catecismo da Igreja Católica, a avareza é um dos sete pecados capitais e é definido pelo medo de se perder algo que se possui. O avarento tem dificuldade de abrir mão do que tem mesmo que receba algo em troca, seu cuidado com seus pertences o faz uma pessoa egoísta: prefere abrir mão de algo valioso a perder algo de menos valor. Para o avarento, perder algo é um desastre.

O Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, Mauro Pinheiro, é um avarento. Desde que introduziu o Ponto Eletrônico sua gestão se caracterizou pela avareza. O pecado da avareza é a ganância, o avarento acha que todos querem roubar seu dinheiro, nada é verdadeiro é tudo é interesse. É uma doença, pois na natureza humana nada nos obriga a contar o tempo como se fosse dinheiro. Mas basta olhar como o Presidente do Legislativo se sente com o ponto para se ter ideia da sua avareza, sua felicidade exulta com sua instalação e sofre com as sanções impostas pelo Tribunal de Contas. Pinheiro acredita que o servidor quer roubar seu dinheiro, expresso no tempo de trabalho do servidor e que qualquer atraso, por menor que seja, é uma afronta. Ele conta o tempo de trabalho do servidor como se fosse seu dinheiro. Diz que Cristo encontrou um avarento rico que, convidado para segui-lo desde que abandonasse seus bens, preferiu seguir seu caminho sem Jesus. O avarento foi noutra direção, foi triste, mas com seus bens.

Por que o Presidente da Câmara se tornou avarento? Primeiro porque obrigou os servidores a pagarem cada centavo de seu tempo, o que lhe dá prazer. Ele se compraz em ver os servidores que batem o ponto, seu esforço em cumprir rigorosamente os horários, chegando até as vezes de carro em alta velocidade e pondo em risco todos os demais: o que importa é que o ponto foi batido, que o tempo pelo qual paga o trabalho do servidor foi cumprido. O segundo motivo é a glória, vaidade advinda da fama que conquista pela imagem que transmite de moralização: agora, todos pagam pontualmente o tempo de serviço pelo que recebem. Nem um minuto a menos, eis a lei do Presidente avaro. É que o avaro não perdoa o que é humano – o atraso – e exige pontualidade do servidor, e por exigir somente isso, ele mata toda a possibilidade de criação no serviço público. Finalmente, o avaro é alguém que não tem fé no servidor público, ele não crê que o servidor tem outras formas de compensação para as necessidades do parlamento do que a hora disponível na instituição.

Na escola aprendemos as virtudes da tolerância. O aluno pode chegar até dez minutos atrasado porque tem a tolerância do professor, ele pode ter um pequeno atraso desde que produza a altura. É a virtude da compensação. O Presidente do Legislativo, Vereador Mauro Pinheiro, sofre de filargíria, o apego desordenado ao dinheiro: como ele paga os salários dos servidores, faz questão de que cada segundo seja pago com trabalho e só confia em suas medidas como forma de verificação, por isso confia mais numa máquina do que no servidor. Mas a hora disponível do trabalho não significa envolvimento: eis a questão.

A doença que aflige o Presidente só tem uma cura: no serviço público a avareza só pode ser curada pela valorização do servidor, seu presidente precisa abandonar suas crenças e fixar-se nas necessidades dos servidores. Por isso as respostas encontradas na religião são ainda eficazes. Lemos na Bíblia “E por que ficar tão preocupados com a roupa? Olhai como crescem os lírios do campo”. Não era exatamente assim na Câmara de Vereadores antes do advento do ponto? Todos trabalhavam a exaustão em suas tarefas e a Câmara atendia perfeitamente o público que a procurava. O que resultou com a adoção do ponto? Os servidores passam o tempo todo a se preocupar com ele, a chegar no horário, a acertá-lo - e como é difícil! - nas inúmeras tabelas de justificação e a contar os minutos em relação ao dia anterior. Fazem tudo pelo ponto, tirando tempo de trabalho pela Câmara.

A metáfora religiosa é interessante porque ajuda a entender os processos em andamento na Câmara Municipal. A preocupação de Pinheiro é a mesma do demônio, é perder as almas. Como o demônio, que criou a armadilha da preocupação, Pinheiro criou o ponto eletrônico. Agora todos os servidores se preocupam com ele, o ponto inculta nos servidores a preocupação com o controle do tempo, se cumpriu exatamente o horário que é obrigado, se pagou, cada segundo com disponibilidade de serviço e isso tem como efeito ocupar as mentes dos servidores, que ao invés de estarem envolvidos em suas preocupações, o que fazer, que escola atender, que projeto construir, vivem com as mentes sempre olhando para o controle do tempo, pensando se seu horário vai “fechar” no futuro e além de terem de se preocupar atender o serviço da melhor maneira possível. Jesus advertiu no Sermão na Montanha: "Não vivais preocupados" e a Marta: "Andas muito inquieta e te preocupas com muitas coisas". A preocupação de Pinheiro é que cada servidor “se preocupe” com o tempo cronológico de seu trabalho e pague segundo a segundo. Não é a representação do avarento o velho magro de mãos fechadas? Como na imagem do velho avarento que cuidou tanto de sua vida que perdeu a vitalidade, Pinheiro cuidou tanto do controle do tempo de trabalho do servidor que perdeu deles o mais importante, sua dedicação, sua entrega, sua alma. Por quê? Porque Mauro Pinheiro deu-lhe com o ponto eletrônico, uma preocupação a mais.

Preocupação é uma palavra que vem do grego μέριμνα, merimna, merizo, que significa "dividir". O Presidente é avarento porque sua alma está dividida no esforço para exercer seu poder e manter o controle sobre o servidor. É sua prisão que transfere aos servidores, que também ficam divididos entre o que é sua obrigação, suas atividades e o tempo que precisam para administrar o ponto. E este tempo tende a aumentar. O que se opõe a avareza? A virtude da liberalidade. É preciso um ato de fé no servidor, é preciso que seu Presidente acredite que, mesmo com um horário um pouco flexível – dez minutos aqui ou ali – o servidor está fazendo justiça e fazendo o seu trabalho. Essas pequenas concessões cotidianas são o equivalente da esmola: o Presidente dá um pouco de tempo para o servidor da mesma forma socorremos os necessitados, mais os pobres. O servidor atrasou-se dez minutos para levar o filho na escola? Não tem problema, pois ele vai saber dar mais trabalho no tempo em que estiver à disposição do serviço público. Infelizmente, nem o hábito de dar esmolas hoje se preserva no tempo do politicamente correto, já que cabe ao governo politicas públicas. Fim da caridade na rua, fim da caridade nas instituições. Cumpra seu horário já! Não esqueça um segundo!

Essa tonalidade, essa ordem faz do tempo do servidor o sangue da administração, mas como tal, ele precisa circular, se não é instrumento de morte. Novamente, é na religião que encontramos respostas: sangue e dinheiro no Talmud hebraico são a mesma palavra (damin). Num legislativo em crescimento, não pode haver muitos avarentos porque a mania de poupar acaba estagnando sua função. Quando cada servidor só pensa no controle do seu tempo de trabalho para verificar se “fecha” ou se “não fecha” suas 40 horas semanais, exatas, então, é o legislativo que fica estagnado. Ao contrário, o serviço público precisa de servidores empreendedores, que fazem o tempo circular, isto é, aproveitam bem o seu tempo de trabalho em projetos que criam vitalidade para o parlamento, gerando parcerias, tornando o legislativo mais dinâmico. Eis o verdadeiro lugar em que deve ser depositado o tempo do servidor, seu “sangue”. Se o servidor usa bem o seu tempo no legislativo, se torna um servidor verdadeiro, diz-se que “entrega sua alma” ao serviço público; se o servidor retém seu mais precioso bem em atividades singelas como apenas controlar o seu próprio registro de tempo, o que é sua preocupação com o ponto, fica aprisionado e estagnado. O Presidente é avarento porque o ponto mostra que é um ser triste em dar tempo e sua doença só pode ser curada se reconhecer que precisa dar tempo para o servidor "existe mais alegria em dar do que em receber", não é isso que dizem a maioria das religiões?.

Para administrar bem uma Câmara Municipal, além liberalidade, é preciso também sobriedade, principalmente em relação ao desejo. Ser sóbrio e vigilante significa que só é rico aquele que deseja menos. O Presidente deseja controlar cada segundo de tempo de cada servidor, e por isto introduziu o ponto eletrônico: ele pensa que a riqueza de sua gestão é o controle, mas é o contrário, sua gestão é pobre porque obriga seus servidores inúmeras coisas ao invés de oferecer liberdade. Se você vê um Presidente que deseja muitas coisas num período muito curto, você vê sua pobreza de espirito, bem ao contrário daquele que sabe usar a riqueza de todos a seu favor: riqueza de uma gestão não é o número de iniciativas, mas a riqueza de almas que conseguiu para sí. Ao colocar a direção de uma administração em algo que não é adequado, a avareza tornou-se sua doença, o verdadeiro tesouro de uma administração é sempre a vontade de servir de seu servidor. A gravidade da avareza, do controle do tempo, é porque distorce a capacidade dos servidores em amar seu trabalho, único motor de sua vontade de trabalhar. Nenhum relógio ponto é capaz disso.


Escrito por

Jorge Barcellos

Doutor em Educação. Autor de "Educação e Poder Legislativo"(Aedos Editora). Colaborador do SUL21, Estado de Direito e Jornal Zero Hora.


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Pensamento Contemporâneo

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