Minory Report é aqui!
Como o Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre inventa o Legislativo Panóptico e inaugura uma nova fase dos parlamentos locais
A discussão da semana na Câmara Municipal de Porto Alegre é o anúncio, no programa local da RBS Jornal do Almoço, no último dia 9, que o Presidente do Legislativo estuda a possibilidade de exercer controle dos servidores através do chip instalado em seu cartão-ponto.
Numa espécie de Minory Report de bombachas, o Presidente da Câmara confunde ficção com realidade e embarca num processo de discussão de controle, monitoramento e vigilância dos servidores públicos. Agora, não são mais os presidiários que devem usar tornozeleiras mas quem sabe, no futuro, os servidores públicos.
Mas existem outras opções para o Presidente do Legislativo e não somente as ideias contidas no filme Minory Report. No anime Psycho-Pass na Tóquio do futuro os habitantes possuem um dispositivo tecnológico inserido no organismo, o Psycho-pass. A idéia é muito interessante porque funciona por identificação de rádio-frequência e ainda monitora as taxas de hormônio e outros indicadores bioquímicos, o que possibilitaria identificar de cara, as servidoras grávidas e facilitaria na emissão de autorizações de licença-maternidade das servidoras públicas.
Esses indicadores bioquímicos também seriam facilitadores para identificar nível de depressão e altas taxas de alcoolismo: o servidor que passasse pela catraca eletrônica, como anuncia a possibilidade no futuro o Presidente, poderia ser imediatamente encaminhado para análise de psicólogos. O problema hoje é que não há equipe multidisciplinar composta por médicos e psicólogos na Câmara Municipal de 2015, mas na do futuro, quem sabe. E claro, esses aparelhos seriam todos conectados ao supercomputador da Assessoria de Informática da Câmara, hoje dirigido pela servidora Márcia Almeida e poderia originar o novo RH 24 horas, sistema de controle dos servidores, que passaria a ter como lema “Dentro e fora de você”. E ainda, fica a dica de, como no filme, um sistema de cores identificaria aqueles indivíduos cuja personalidade fosse imprópria a transitar nos corredores do legislativo de Porto Alegre. Tudo estaria sob controle, a começar pelo humor. Não haveria pessoas criticas ao sistema. Não é o máximo?.
Este sistema poderia ter uma novidade. Uma das características que tais sistemas tem em comum é calcular o “coeficiente de crime”. E qual é o crime do servidor público? Não trabalhar. Como outros governos e empresas, a ideia é mapear hábitos e preferências, quanto tempo leva o servidor para tomar o café, quanto tempo fica no banheiro, etc, etc. Servidores poderão receber alertas em seus celulares por estarem usando demasiado o banheiro ou demorando no cafezinho, por exemplo. Mais, daria informações sobre espaços pessoais dos servidores, que poderiam ser convocados a fazer propaganda das ações de seu Presidente, onde quer que estivessem, exatamente como pensa a sociedade ideal de controle, descrita pelo filósofo Gilles Deleuze . CPF é coisa do passado, agora é a vez do chip.
Isso só acontece porque o Presidente da Câmara Municipal acredita que perder a liberdade e privacidade é um comportamento aceitável pelo poder. Se já nos fechamos em casa para nos proteger da violência do mundo e aceitamos câmeras em espaços de convívio comuns é porque, nos termos do filósofo Michel Foucault, já entramos na era da sociedade panóptica, aquela sociedade que acredita na ilusão da vigilância para controle de comportamento e concebe o supermonitoramento à procura de uma potencial ameaça, no caso, o servidor público faltoso. O que o Presidente do Legislativo, Vereador Mauro Pinheiro propõe é o parlamento panóptico, uma criação que é só sua, é seu mérito, ideia original que ninguém imaginou antes com tanta convicção, a de um legislativo controlador. O interessante no anima é justamente a busca de exoneração das decisões pelo ser humano. No anime, agentes usam armas que quando apontadas para o indíviduo apontam seu coeficiente de crime. Algo parecido pode ser imaginado na Câmara Municipal do futuro, quando o chip do servidor passar por um escâner: se for maior que a referência estabelecida, ele pode disparar, exonerando o servidor.
Ao imaginar tamanha sofisticação de controle, o Vereador Mauro Pinheiro revela o desejo de um sistema que mapeie ameaças e decida a reação. Quer dizer, na sua concepção, o servidor não é um servidor, é uma ameaça. Por isso a busca por artefatos que atuem independe da ação humana, que tomem decisões em base em algoritmos, objeto de seu investimento. O Presidente, na entrevista, inclusive citou a aquisição de catracas eletrônicas, maneira de abrir o caminho para escâneres e outros equipamentos congêneres. Logo, será a vez de mapear as conversas entre servidores pelo telefone em busca de palavras chaves, que como se sabe, já é prática pela NSA, nos EUA. Se uma palavra aparecer, imediatamente a gravação é feita e um sistema avisa a administração que uma conversa deve ser analisada, como já alertou o Wikileaks.
O que estamos vendo? O inicio da digitalização dos comportamentos dos servidores públicos. Isso pode avançar porque a localização não precisa ser feita pelo chip do ponto eletrônico, basta que a administração tenha o número de nosso celular e por GPS você é localizado. Uma Portaria pode obrigar aos servidores públicos, de agora em diante, oferecer os números de seus smartphones para a administração da Câmara construir o perfil do servidores públicos : roteiros podem ser feitos, como checar a ida a um médico, por exemplo. Bem vindo ao big data legislativo!
Pela primeira vez, Mauro Pinheiro deu prova de sua inteligência: ele sabe que o anonimato na rede é um mito e que basta um endereço de IP, telefone ou chip de ponto eletrônico que a localização de um individuo pode ser feita. Logo as direções da Câmara estarão navegando na deepweb para rastrear seus servidores. Minory Report é aqui!