#ElPerúQueQueremos

investpoa; PREFEITURA DE PORTO ALEGRE ABRE A PORTA PARA O RISCO nos RECURSOS  públicos   

O Prefeito como gerente da sua conta

Na calada da noite, a Prefeitura de Porto Alegre aprova o InvestPOA, entra no mercado e expõe recursos e bens públicos ao risco do capital especulativo

Jorge Barcellos - Doutor em Educação

Publicado: 2015-12-23


Os vereadores Fernanda Melchiona, Alex Fraga, (PSOL), Sofia Cavedon, Alberto Kopitike, Marcelo Sgarbossa e Engenheiro Comasseto (PT), além da vereadora Jussara Cony (PCdoB) bem que tentaram, mas foram derrotados: o Prefeito de Porto Alegre José Fortunati foi o grande vitorioso no último dia de votações da Câmara Municipal com a aprovação, na sessão extraordinária realizada na noite desta segunda-feira (21/12), por 20 votos favoráveis e nove contrários, com sete abstenções, do projeto de lei que autoriza o Executivo a constituir a Empresa de Gestão de Ativos do Município de Porto Alegre S/A (Investe POA), vinculada à Secretaria Municipal da Fazenda. Enquanto a base aliada mostrava sua submissão ao Executivo, a oposição mostrou-se contrário ao projeto com argumentos sólidos e proposta de Emendas justas.

A questão central é: qual o risco que assume a Prefeitura de Porto Alegre quando é autorizada a emitir títulos e negociá-los no mercado? Ora, realizar operações com recursos e bens públicos no mercado de capitais ou no mercado financeiro é uma função de risco. As consequências são diferentes quando se trata de investimentos de pessoas físicas de jurídicas, como é o caso da Prefeitura. A razão é que o principal risco que incorre a Prefeitura é perder dinheiro público. O sobe e desce do mercado não é para amadores. O Montepio dos Funcionários da Prefeitura de Porto Alegre, salvaguarda dos servidores da capital em sua aposentadoria, foi a falência justamente porque não soube investir seu dinheiro. De olho nas variações com retorno maiores, a administração esquece que os ricos são também maiores. Como se diz no mercado “não há almoço grátis”. A ambição expõe a riscos qualquer administrador. O problema é que o prejuízo não é do administrador, seus erros de avaliação de risco serão pagos por todos os cidadãos porto-alegrenses. Recursos públicos poderão estar ameaçados, assim como bens da cidade, no caso de prejuízos. Eis porque a oposição se mantinha unida: a defesa do interesse coletivo. Perderam a batalha mas honraram a esquerda que representam.

Geralmente os riscos são analisados pela sua volatilidade, é um dado estatístico avaliado pelo Desvio Padrão das cotações de um ativo no tempo. Mas isso não resume os riscos, que incluem os piores, os riscos de mercado. Por exemplo, se houver queda generalizada dos preços de ações de diversas empresas, o índice Ibovespa cai. Mudanças econômicas também provocam quedas, quando é alterada a taxa de juros ou quando as mudanças no câmbio afetam o valor de ativos de empresas. Se o agente público não for rápido o suficiente para negociar um ativo para prevenir uma queda ou garantir o lucro pode ter perdas. Além disso, há perdas operacionais, causadas pelas falhas nos próprios processos internos de gestão, por pessoas ou pelo sistema. Para um agente novo como a Prefeitura, os riscos operacionais são maiores. Podem ocorrer falhas operacionais ligadas a Tecnologia de Informação, segurança de informação, com vazamento de fatos da Prefeitura em momentos impróprios. É só olhar a internet da Prefeitura, caindo o tempo todo. Dá para confiar em acompanhar o sistema financeiro assim?

Se o emissor não cumprir com suas obrigações, recai em Default financeiro, isto é, o risco de seu crédito no mercado. Se o governo investir no estrangeiro, o risco ainda é pior, pela sua alta variação decorrente de mudanças diplomáticas. A renda variável, segundo os investidores, é o pior dos investimentos. Pelo projeto "A Investe POA terá seu capital social inicial de um milhão, representado por um milhão de ações ordinárias nominativas, sem valor nominal. Poderão participar do capital da empresa entidades da Administração Municipal e pessoas naturais, desde que o município mantenha, no mínimo, a titularidade direta da maioria das ações com direito a voto", define o projeto.

O problema é que em caso de quebra, a Prefeitura de Porto Alegre é que deve garantir suas ações com os imóveis de sua propriedade ou com os recursos do fluxo de transferência do Fundo de Participação do Município. Digamos que a Prefeitura emita um ativo de Renda Fixa, um título emitido para levantar recursos para financiar expansões e projetos específicos do Executivo. Sua rentabilidade será determinada no momento da aplicação. Se emitir títulos pré-fixados, deverá determinar a rentabilidade no momento do investimento ou se for pós-fixada, deverá ser vinculada a algum índice. Ainda que sejam os de menores riscos, eles ainda existem porque dependem de uma instituição que disponibiliza e distribui os títulos, quer dizer, precisa de um Banco, que, em momentos de crise, podem ter sua saúde afetada. As ações da Prefeitura podem reduzir riscos, mas nunca exterminá-los, eis a questão. Daí a pergunta: pode o administrador expor ao risco bens e recursos que são da cidade de Porto Alegre no mercado? Pode expor ao risco os recursos de salários de servidores e os bens da Prefeitura – o prédio de um posto de saúde, por exemplo – num mercado que tem-se marcado pela instabilidade?

Haveria investimentos de risco mínimo, é verdade. Mas se para o cidadão, hoje a poupança, que rende cerca de 1% não vale mais a pena, será que vale a pena para a Prefeitura ter seus recursos presos para adquirir uma rentabilidade? Que fará se precisar dos recursos numa eventualidade, por exemplo, uma enchente, que exige grandes investimentos junto as ilhas do Guaíba, por exemplo? E mesmo a poupança, o aparente investimento de baixo risco, ainda os tem. Há riscos, por exemplo, de crédito com a quebra de banco, já que a Prefeitura está emprestando seu dinheiro ao banco captador. Se o banco quebra, a Prefeitura deverá recorrer ao Fundo Garantidor de Crédito, que tem um limite de 250.000,00 por instituição. A Prefeitura prevê um investimento inicial de um milhão. Se o banco quebrar, só conseguirá receber ¼ do valor. Deu para entender?

Depois há o risco das mudanças econômicas. Ainda que a mudança do Ministro da Fazenda, Joaquim Barbosa, sinalize ventos favoráveis, ainda estamos vivendo no pais uma situação de inflação, pelo menos além dos índices previstos. Isso é um problema, pois se a Prefeitura deixar seu dinheiro na poupança e a inflação for maior, a Prefeitura perde dinheiro. Além disso, mudanças da política econômica muitas vezes envolvem repercussão na taxa Selic, que também afeta a poupança.

Se a Prefeitura resolver investir em Certificados de Investimentos, depósitos de determinado prazo de bancos comerciais para que os bancos emprestem dinheiro a uma taxa maior paga a Prefeitura, o risco também depende do indexador a que o investimento esteja vinculado. E não se pode esquecer da avaliação do rating dos bancos, que afetam o risco da operação. O que pode acontecer, digamos, se a Prefeitura prefirir escolher para investir não os grandes bancos, que pagam taxas menores de remuneração, mas bancos menores, que tem avidez por obtenção de recursos e por isso remuneram melhor? O problema é que estes bancos são justamente os que tem maiores riscos de quebrar. Saberá o gestor escolher com cuidado? Quer dizer, não basta só investir, é preciso analisar parcimoniosamente o equilíbrio de funções de rentabilidade, rating, etc. Não é um jogo para amadores. Entando agora no mercado, terá experiência para isso? É só olhar o caso do Banco BVA, que em 2012 oferecia títulos de renda fixa para investidores institucionais chegando a pagar até 100%. Ao se investigar profundamente, encontrou-se declarações de prejuízos, rebaixamento de rating, etc, etc, quer dizer, a instituição não tinha saúde financeira. Acabou sofrendo intervenção.

Por isso sou contrário a criação da InvestPOA. A esquerda, representada pelo PT, PSOL e PCdoB fez questão de propor Emendas ao projeto da Prefeitura para ampliar o alcance do poder fiscalizador da sociedade. Perdeu todas. Os vereadores de oposição alertaram para os riscos, mas o projeto foi aprovado. Ruim para a sociedade, ruim para a democracia, vitória do capital especulativo. Espera-se que a Prefeitura seja transparente e que não exponha o patrimônio público da cidade ao risco, pois, caso contrário, a cidade pode perder bens públicos e recursos financeiros para benefício, mais uma vez, do capital financeiro.


Escrito por

Jorge Barcellos

Doutor em Educação. Autor de "Educação e Poder Legislativo"(Aedos Editora). Colaborador do SUL21, Estado de Direito e Jornal Zero Hora.


Publicado en

Pensamento Contemporâneo

Artigos de Opinião sobre temas e problemas contemporâneos do Brasil com um pouco de filosofia.