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Agência reguladora: mais qualidade ou mais burocracia?

Quem regula as agências reguladoras?

Com ampla maioria, a Câmara Municipal de Porto Alegre cria a  Agência Municipal Reguladora dos Serviços de Porto Alegre (Arpa) e reintroduz na política da Capital  uma velha questão: quem regula as agências reguladoras?

Jorge Barcellos - Doutor em Educação

Publicado: 2015-12-23


Ao apagar das luzes, a Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou o PLL 113/2015, de autoria do Vereador Cláudio Janta, que cria a Agência Municipal Reguladora dos Serviços de Porto Alegre (Arpa) com o objetivo de descentralização da administração pública e, ao mesmo tempo possibilitar o maior controle dos serviços oferecidos à população. Prevista para atuar em quaisquer serviços públicos – os diretos, indiretos e, inclusive, os delegados por concessão, permissão ou autorização, incluindo o transporte coletivo urbano de passageiros entre outros, a autarquia especial se caracterizará pelo mandato fixo de seus dirigentes.

Mas a criação de uma agência reguladora não é garantia de justiça social ou qualidade na prestação de serviços públicos, é o que aponta a literatura especializada. Na história recente do Brasil sua criação é envolta em problemas, a começar, na própria tramitação do projeto de lei na Câmara Municipal, onde o projeto foi criticado pela Procuradoria, que apontou em seu parecer que a iniciativa é do Prefeito. E depois, a única Comissão a avaliar o processo, terminou com Parecer Empatado, significando que o projeto suscita dúvidas. Porquê?

O problema está na concepção que se tem de agência reguladora. As agências reguladoras foram pensadas considerando o Estado como gestor ineficiente. Importando do mercado orientações voltadas para a competição e lucro, impulsionou a privatização dos serviços públicos em nome de um suposto atendimento das necessidades da sociedade. Quer dizer, as agências reguladoras foram responsáveis pela introdução no setor público da noção de que a concorrência é um indicador de eficiência, voltada para consumidores de serviços públicos. O problema é evidente, já apontava a filósofa Marilena Chauí, o da transformação do cidadão em consumidor e dos problemas que esta mudança traz. Para isso, as agências fiscalizam diversos setores, buscando, a partir da promoção da concorrência, estabelecer as relações entre Poder Executivo, serviços concessionados e consumidores.

Outro problema é que, como instituições autárquicas, importam também na criação de cargos e funções que não significam segurança econômica. Países que adotaram o modelo como México e outros também atravessaram crises e em muitos casos, preservaram-se mesmo com as agências as características de ineficiência e reclamações do serviço público. A razão é que sua origem está na necessidade combater as falhas do mercado e não falhas da administração pública, o que resulta numa confusão das atribuições que também tem sido criticada nas agências, já que assumem funções típicas de poder executivo, legislativo e inclusive judiciário.


EM PORTO ALEGRE, CADA ORGÃO POSSUI UMA EQUIPE DE CONTROLE. pRECISA MAIS?

Quer dizer, as agências produzem normas que imputam custos a unidades reguladas, complementando ou contrariando interesses públicos ou privados. Daí a possibilidade de captura do órgão regulador por agentes econômicos interessados em subverter para determinados interesses as iniciativas da agência. Em “ Agências Reguladoras no Brasil”, o pesquisador Edson Nunes afirma que “não existe regulação neutra, nem regulação inocente. Muitos regulados buscarão normas regulatórias para protegê-los da competição, diminuir seus custos de transação, criar barreiras de entradas em seu setor de atuação, protegê-los de demandas do público, etc. Nem toda regulação, portanto, é a favor do interesse público ou da promoção do mercado competitivo. O aparato regulatório, criado para sanar imperfeições do mercado, pode tornar-se, ele mesmo, uma espécie de mercado onde regulação é “comprada” e “vendida”. O mercado regulatório pode se constituir, assim, em umselvagem campo de lutas de interesses e tanto pode estar voltado para o público quanto para o privado”.

O tema emergiu no Brasil desde que Fernando Henrique Cardoso implementou as agências reguladoras no contexto da Reforma do Estado. Logo deixaram de ser vistas como agências independentes para serem criticadas por agentes econômicos e especialistas por não atuarem como verdadeiros órgãos de Estado. Na literatura especializada, a questão é até que ponto elas são de fato um novo formato institucional e são independentes e até que ponto cedem às pressões do meio.

Mas há diferenças. Enquanto que as agências regulatórias da reforma do Estado elaborada durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) foi orientada para a retirada do poder público da produção de bens e serviços, a agência municipal visa regular o próprio executivo. No entanto, ambos visam fortalecer o modelo gerencial que vê o cidadão como cliente. Mas instituir ilhas de excelência técnica é realmente a saída da administração pública municipal? De certa forma, é uma maneira do fortalecer os órgãos da administração indireta, pois defende o Estado de interferências de organizações intermediárias. Mas as agências reguladoras tem como efeito a redução da arena de interesses diversos. Com a criação de uma agência, por exemplo, como ficam as prerrogativas do poder legislativo e as demandas populares? A inexistência, até maio de 1996, de definições claras sobre formatos institucionais mostra que é recente a regulação das agências reguladoras (sic). A inclusão, da recomendação de novas normas será atendida? Por exemplo, como é prevista pela lei a recomendação da participação de todas as partes interessadas no processo de elaboração de normas regulamentares em audiências públicas? A lei silencia. Como pretende a agência dirigimr os conflitos entre cidadãos e órgãos públicos? Como será feito o recrutamento dos dirigentes e a perda de mandato?

iNICIATIVA DO VEREADOR  CLÁUDIO JANTA AINDA É TEMA DE DEBATE EM POLITICAS PÚBLICAS 


Não é um campo sem problemas. A criação da Aneel, da Anatel e ANP ocorreu, basicamente, no âmbito dos ministérios setoriais diretamente envolvidos do governo federal, concebidos para construir um novo marco regulatório mas segundo os criticos, pouco ou nada interferiram na prática da ação regulatória. Tem clareza seus autores do modelo a ser instituído, isto é, não apenas do formato jurídico e organizacional, mas das questões de accontability envolvidas? Pesquisas envolvendo os atores envolvidos revelaram indefinições sobre o formato das agências, os diversos tons dos atores envolvidos nos discursos, mostrando que os responsáveis pela instalação das primeiras agências sequer sabiam o que queriam, criando problemas de relacionamento entre os órgãos públicos e a agência, a sobreposição de competências entre atores públicos e problemas de nomeação de pessoas e gestão orçamentária. Quer dizer, haviam novos problemas que sequer haviam sido imaginados para a instalação de agências regulatórias. E dependendo do modelo adotado, as características podem ser diferentes. Por exemplo, no modelo de agência americano que inspirou o brasileiro, as agências não são subordinadas ao legislativo. No Brasil são.

O que sugere a Lei? Que o Estado deve fazer uma opção entre um modelo endógeno de regulação realizado por departamentos da administração pública por um modelo de regulação exercido por autarquias especiais. E isto é melhor para administração? Dificilmente um processo aprovado no anoitecer e sem pareceres em sua defesa aparenta ser a melhor proposta. A implementação de novas agências exige um processo amplo de negociação, estudos setoriais, tramitação e ampla discussão legislativa, o que não foi o caso. A pergunta é: quais órgãos públicos participaram da construção do projeto, que secretarias, ou representante do prefeito? Entidades foram ouvidas? Como votaram os vereadores, com o olhar voltado para os interesses da administração ou para os cargos futuros a serem criados? Que estudos setoriais da administração da Prefeitura serviram de base para a criação da Agência? Como se sabe, a Aneel foi criada a partir de estudos setoriais para reestruturação do setor eletríco brasileiro, diagnosticado como centralizador. Que estudos serviram de base para a agência porto alegrense?

A agencia portoalegrense segue o desenho institucional final das agências brasileiras que tem como denominador comum a autonomia e estabilidade de seus dirigentes e prevê aprovação de seus membros pelo poder legislativo. Mas até agora, os exemplos de agências são de regulação econômica ou social, mas regular a Prefeitura inteira é uma novidade. Na verdade, sem contar com um consenso teórico e nem evidências empíricas suficientes, a literatura sobre a racionalidade da difusão do modelo de agência reguladora ainda é limitado. Há lógicas distintas para a criação de agências, seu modelo é muito semelhante, apesar dos diferentes setores atingidos. A iniciativa parece ser mais a necessidade de atender a um processo de isomorfismo organizacional consequente da onda do novo gerencialismo aplicado à administração pública, que chega a hoje ter no pais cerca de 23 agências estaduais. A da Prefeitura parece seguir a linha multi-setorial já comum nas agências de Estado, mas de qualquer forma, estudos continuam apontando para a fragilidade institucional das agências estaduais. Será que esta característica será repetida na agência proposta?

A agência regulatória é um modelo aberto, eis a questão. De “salvação da lavoura”, como eram vistas no Governo FHC, chegaram ao governo Lula acusadas de terem excessiva autonomia politica e falta de transparência com prejuízos para os cidadãos. Mas também sempre foi uma discussão sobre a natureza da agência e dos prazos de ocupação de seus cargos, revelando que sua criação também oculta o problema dos “cabides de emprego”.

Além disso, as agências ainda apresentaram diversos problemas quanto a sua legitimidade. Por exemplo, se debateu em foros judiciários,a inconstitucionalidade da delegação de poderes legislativos indeterminados às agências, resultando numa certa judicialização dos procedimentos regulatórios. As questões criticas estariam nas diferenças entre o poder administrativo das agências e do poder da burocracia do executivo. Outras questões envolveram dúvidas quando as formas de controle social, os padrões de relacionamento com a administração direta e legislativo porque falta jurisprudência para esta nova relação. Por isso, ainda é seu funcionamento objeto de critica, seja porque as agências tendem a ultrapassar seus limites, seja pela politização na nomeação de seus presidentes, ou o pior, a baixa qualidade dos serviços que pretende controlar.

Falta regime regulatório para as agências reguladoras, eis a questão. Cada uma agindo do seu jeito, prometem soluções melhores que as da burocracia tradicional. Mas sua criação traz novos problemas, invadindo territorialidades institucionais antes consolidadas. Pior, falta direito administrativo para as agências que garantam sua supervisão. A pergunta é: com tantos graus de auto-regulação do serviço público, ainda é necessário mais um? Veja só a Câmara Municipal, que possui, além de seu Controle Interno, órgãos da Prefeitura (!) em seu interior para exercer controle, além do próprio Tribunal de Contas. Não parece natural que todas estas agências internas de controle sejam ineficazes. Diz Nunes:” O modismo administrativo tende a ser atraente, com enorme capacidade de conversão de novos adeptos. Se vier a prevalecer sobre a criteriosa definição de áreas de atividade, de novo, pode ser dilapidada a unicidade do experimento recente, levando-o até a banalização. Claro, esta é hipótese radical, mas com bons antecedentes na memória institucional brasileira.”


Escrito por

Jorge Barcellos

Doutor em Educação. Autor de "Educação e Poder Legislativo"(Aedos Editora). Colaborador do SUL21, Estado de Direito e Jornal Zero Hora.


Publicado en

Pensamento Contemporâneo

Artigos de Opinião sobre temas e problemas contemporâneos do Brasil com um pouco de filosofia.